quinta-feira, 23 de abril de 2009

Noite, para quem lhe quiser chamar

As horas avançam e a noite vai longa.
Para onde quer que se olhe é praticado aquilo que chamamos cool.
Cigarros aqui e ali, isqueiros a passar de mão em mão.
Garrafas de cerveja por todo o lado, no chão, nas mãos, inteiras, partidas, cheias e vazias.
Tudo à volta é fumo e álcool.
Tanto fumo que quase não se vê para além dele.
Assim que se atravessa essa barreira quase intransponível começa-se a ter uma pequena noção das coisas que por ali se passam.
Um enorme aglomerado de pessoas no mesmo local, uma multidão se assim lhe quiserem chamar.
Ouve-se um ruído de fundo ensurdecedor, ruído esse que faz com que todos saltem e se movam neste espaço fechado cheio de vícios destinado para o efeito.
Por mais que se tente acaba-se por se sentir isolado porque todo o resto está possuído e assim espera continuar sem fazer questão se todos assim estão ou não.
Praticam o seu chamado divertimento.
Divertimento?
Álcool e tabaco?
Chamem-lhe o que quiserem, para mim jamais se chamará de divertimento.
O tempo não pára e a solidão e tal que é-se levado na tentação de entrar na multidão.
Uma cerveja, começa-se a beber com calma e vai-se entrando no ritmo dos demais.
Vão surgindo ofertas de cigarros por aqui e por ali, não é preciso pedir nem procurar muito.
Já que se rendeu a uma tentação porque não render-se à outra?
Assim acaba por ser.
Quer-se ser cool e faz-se o que os outros fazem.
Beber e fumar, qual é a relação com ser cool?
Não entendo.
Chega a altura em que já nada disso importa.
Já se está no meio de todo o resto, já nada mais interessa.
Perde-se a conta às cervejas, partem-se garrafas no chão e pedem-se mais de seguida.
Os cigarros já não fazem tossir, tal é a quantidade deles.
Ouve-se a música e dança-se ao ritmo dela.
Há muito que deixou de ser um ruído ensurdecedor e nem se dá por isso.
Interessa é ser-se cool.
A noite começa a acabar e o pessoal ainda quer mais.
Pode acabar a música mas não os vícios.
Onde quer que se esteja procura-se por mais seja pelo preço que for.
Isso não interessa, aliás, nada mais interessa.
Todo o resto deixou de ser pertinente há imenso tempo atrás.
Amizades novas são feitas quase instantaneamente.
Amigos e amigas surgem de todos os lados.
Está-se com um e com outro como quem muda de roupa.
Estão todos tão contaminados que perante o resto não passam de objectos descartáveis assim como nós.
Tudo isto tem um preço.
Ser cool, sustentar os vícios, as amizades novas.
Preço esse por nós pago.
As horas começam a pesar e o corpo a pedir descanso.
Ao princípio tentamos resistir por ser-se cool mas torna-se mais difícil do que se imaginara.
Vê-se um a sair e a levar mais alguém atrás dele.
Não é preciso muito para o local se esvaziar por completo.
Também saímos e procuramos o tão esperado descanso.
Fecham-se os olhos e não se á pelo passar do tempo.
Tudo passa tão depressa que nem sequer nos apercebemos.
Algo parece chamar por nós.
Um leve murmurar que se tenta negar a todo o custo.
Vira-se para um lado e para outro debaixo dos lençóis para lhe fugir mas é inevitável.
O dia já há muito se fez e ainda nem demos por isso.
Saímos da cama a muito custo, praticamente a reboque.
Lavamos a cara e os dentes para despertar mas em vão.
A cabeça pesa tanto que não a conseguimos levantar.
Ainda anda tudo um bocado à volta e acabamos por cair de novo no sono.
Finalmente despertamos e lá fazemos mais um tremendo esforço para voltar a sair da cama.
Tomamos um duche para acordar por completo, preparamo-nos e voltamos a sair de casa.
Vamos ter com os amigos que já o eram antes da noite passada.
Para grande espanto nosso quase que nos desprezam.
A dúvida cresce cá dentro.
“O que é que se passa com eles?”
Pensamos como se nada fizéssemos mas enganamo-nos.
Podemos não nos lembrar mas há quem se lembre por nós.
Perguntam-nos porque fizemos tudo aquilo na noite passada e nem sequer lhes conseguimos responder porque simplesmente não nos lembramos.
Tanto insistem em dar na cabeça por causa do que foi feito que nem sequer se tem a certeza que mais tarde ou mais cedo, é inevitável, discutimos e chateamo-nos e cada um acaba por seguir para seu lado.
Nós para um lado e os nossos verdadeiros amigos para o outro.
Não gostamos de estar sozinhos e procuramos pelos novos amigos.
Amigos falsos e interesseiros dos quais não se tem consciência do que são.
Ao fim de um certo tempo acabam-se por se encontrar.
Tentamos estar com eles mas é como se eles nem nos conhecem.
Tudo o que lhes interessava era o que lhes pagávamos e fazíamos na noite anterior.
Amigos da onça.
Desta vez não são eles a irem-se embora mas sim nós a sairmos de ao pé deles.
Tudo isto é de tal modo confuso que não conseguimos assimilar minimamente bem as coisas.
Isto começou tudo com o ser cool e acaba tudo com o ser cool de novo.
O que era ruído já o voltou a ser.
Todos aqueles vícios tornaram-se agora repugnantes.
E isto porquê?
Graças aos amigos de verdade que nos fazem ver aquilo que fazemos mal e que muitas vezes levamos a peito e não respeitamos minimamente.
Agora era tarde.
Esses amigos tinham-se afastado.
Durante quanto tempo depende de nós.
Mas uma coisa é certa.
Ser cool paga-se bem e somos nós próprios a pagar esse elevado preço.

Tec_Fil

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